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Muito mais que Um segundo…
Paulo Maeda em Um Segundo (ensaio sobre o tempo) propõe vivermos muito mais do que um segundo de nossas vidas. Ele nos convida para viver duas experiências importantes e praticamente perdidas no século XXI: um encontro de verdade e a possibilidade de mergulhar na humanidade do outro. O convite para a peça vem através de pedido sincero para passar duas horas com esse ator na sala de sua casa, fazendo parte de um pequeno grupo formado por seis pessoas conhecidas ou indicadas por conhecidos. O prólogo da peça é feito por mensagens e áudios de WhatsApp que nos preparam para a experiência a ser vivida, nos apresentando os códigos e…
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A dialética dos Papas em cena
O encontro de duas forças teatrais Assistir a *Dois Papas* no Sesc Guarulhos foi um evento de grande expectativa para mim. Zé Carlos Machado e Celso Frateschi são dois atores que acompanho há décadas e que, além de possuírem um domínio técnico absoluto, trazem ao seu trabalho um compromisso constante com o teatro como espaço de reflexão social. Ambos fazem parte da tradição paulistana de atuação que equilibra o rigor da construção cênica com a fluidez do jogo vivo, e ver essa interação em cena foi um privilégio. O trabalho de Machado como Bento XVI e Frateschi como Francisco não é apenas um embate entre dois personagens históricos, mas um…
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A Rosa Mais Vermelha Desabrocha e a Necessidade do Humor Feminino no Brasil
O humor brasileiro tem raízes profundas no teatro de revista, na chanchada e no rádio, mas sempre girou em torno do protagonismo masculino. As mulheres, quando presentes, costumavam ocupar papéis coadjuvantes, seja como musas ou como objeto da disputa entre os homens. A Rosa Mais Vermelha Desabrocha, inspirada na HQ de Liv Strömquist, rompe com essa lógica ao apresentar um humor ágil e inteligente, conduzido inteiramente por quatro atrizes — Bianca Lopresti, Carolina Splendore, Fernanda Viacava e Lenise Oliveira. Com precisão e um excelente timing cômico, elas dominam o jogo cênico, subvertendo expectativas e reafirmando a força do protagonismo feminino no riso. O espetáculo se baseia em um texto sueco,…
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Tybyra: uma tragédia indígena contra-colonial
A dramaturgia de estreia do artysta potyguara Juão Nyn, Tybyra – Uma tragédia indígena brasileira com direção de Renato Carrera, nos recorda que a tragédia colonial ainda massacra e que é necessário reagir contra ela. A peça narra a imaginação do autor de como poderia ter sido as impressões e atitudes de Tybyra acerca de sua própria vida, sexualidade, prisão, sentenciamento e execução. Tybyra configura-se em uma ficção construída a partir do primeiro caso de LGBTfobia documentado em nosso país. Em 1614, o indígena Tupinambá, foi amarrado a boca de um canhão e executado em evento público, condenado por soldados franceses e pelo clero por praticar sodomia. A peça se resguarda…
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Serra Pelada – A alquimia entre tempos e masculinidades no palco do Teatro de Arena
O espetáculo Serra Pelada, apresentado no histórico Teatro de Arena, constrói uma narrativa potente e multifacetada, entrelaçando tempos, personagens e conflitos que ressoam até hoje. Em cena, três momentos distintos se sobrepõem em um jogo dramatúrgico engenhoso, costurando a memória política do Brasil com reflexões sobre masculinidade, poder e ambição. A peça inicia com um recorte histórico que atravessa as décadas de 1960 e 1970, passando pela Guerrilha do Araguaia e avançando no tempo até o garimpo de Serra Pelada. Nesse eixo, acompanhamos a trajetória de Oswaldão, figura mítica que sonhava em transformar as riquezas da região em justiça social, e seu grande antagonista, o Major Curió, responsável por reprimir…
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O Guarani: para além de uma rigidez histórica, a necessidade de rever e reescrever a Ópera
Por João Alves Foi escolha certeira do Theatro Municipal de São Paulo abrir o ano de 2025 com a remontagem da ópera Il Guarary de Carlos Gomes com concepção de Ailton Krenak, direção cênica de Cibele Forjaz e direção musical de Roberto Minczuk. A montagem realiza um grande impacto com relação a ópera em nosso imaginário colonizado brasileiro ao colocar dentro da visualidade da encenação os Guaranis reais em contraponto a ideia romântica de um “herói indígena” ao gosto dos colonizadores. É bom ressaltar que isso não diminui a obra de Carlos Gomes, que era um homem de seu tempo, ou seja, do Século XIX, envolvido pelas formas de tratamento…
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Violência e História: A Força da Dramaturgia em A Banda Épica na Noite das Gerais
Violência e História: A Força da Dramaturgia em A Banda Épica na Noite das Gerais A Companhia do Latão mais uma vez nos presenteia com um espetáculo que alia pesquisa histórica, teatralidade e uma profunda análise política da realidade brasileira. Com A Banda Épica na NOITE DAS GERAIS, a companhia revisita a Ditadura Militar, construindo uma narrativa fragmentada, cheia de camadas, onde os personagens e a história recente do Brasil são os verdadeiros protagonistas. Foto de João Maria O elenco numeroso equilibra atores experientes e jovens, trazendo vitalidade à cena e reforçando a ideia de que a história se desenrola de maneira coletiva. O início da peça sugere uma trama…
- "Casa de Bonecas", "Nora e a porta", Ibsen, Marina Corazza, Maristela Chelala, Sandra Corveloni, SESC, SESC Pompeia
Resenha: “Nora e a Porta” – O Grito que Ainda Ecoa
Resenha: “Nora e a Porta” – O Grito que Ainda Ecoa por Márcio Boaro A força de Casa de Bonecas não vem apenas de sua estrutura dramatúrgica, mas da denúncia que carrega – e que, infelizmente, segue necessária. Em Nora e a Porta, a montagem que está no Sesc revisita a peça de Henrik Ibsen a partir de uma perspectiva contemporânea, ressaltando o incômodo que persiste: se a forma teatral evoluiu nos últimos 150 anos, a opressão patriarcal contra as mulheres continua como uma realidade estrutural. Neste tempo, o problema de origem permanece: o patriarcado é a base do capitalismo e da sociedade burguesa, ambos se beneficiam de estruturas…
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Ópera Febril: A História do Trabalho e Seus Ecos no Presente
Ópera Febril: A História do Trabalho e Seus Ecos no Presente Desde o título, Ópera Febril sugere um espetáculo de grande fôlego, onde “ópera” remete a “obra” e “fabril” nos conduz diretamente ao universo do trabalho. A peça, encenada pela Cia do Trailer – Teatro em Movimento, tem a direção de Marcelo Soler e André Ravasco, que também divide o palco com Andrei Gonçalves, Caren Ruaro, Laura Ramalho e Rafael Braga. A montagem nos transporta para dois momentos cruciais da exploração do trabalho no Brasil. Como é característico do teatro documentário, os atores, em um primeiro momento, apresentam seus relatos de forma distanciada, sem personalismo, antes de mergulhar em um…
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Magma Jagunço: A permanência da brutalidade como identidade
Magma Jagunço: A permanência da brutalidade como identidade Por Márcio Boaro. Conheço e admiro o trabalho do Tablado há muitos anos. Este coletivo realiza uma pesquisa profunda sobre a base do que deseja expressar em sua dramaturgia. Os atores são verdadeiros coautores das obras, compreendendo não apenas suas próprias personagens, mas toda a estrutura e intenção da peça que apresentam. No caso de Magma Jagunço, o diretor e dramaturgo Clayton Mariano, junto ao elenco, realizou um belíssimo trabalho. (foto de divulgação) O espetáculo é uma produção do Tablado (@tablado_sp), estreando no TUSP e dando continuidade à trajetória do grupo, que há anos desenvolve uma pesquisa estética e política profunda sobre…