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A dialética dos Papas em cena
O encontro de duas forças teatrais Assistir a *Dois Papas* no Sesc Guarulhos foi um evento de grande expectativa para mim. Zé Carlos Machado e Celso Frateschi são dois atores que acompanho há décadas e que, além de possuírem um domínio técnico absoluto, trazem ao seu trabalho um compromisso constante com o teatro como espaço de reflexão social. Ambos fazem parte da tradição paulistana de atuação que equilibra o rigor da construção cênica com a fluidez do jogo vivo, e ver essa interação em cena foi um privilégio. O trabalho de Machado como Bento XVI e Frateschi como Francisco não é apenas um embate entre dois personagens históricos, mas um…
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A Rosa Mais Vermelha Desabrocha e a Necessidade do Humor Feminino no Brasil
O humor brasileiro tem raízes profundas no teatro de revista, na chanchada e no rádio, mas sempre girou em torno do protagonismo masculino. As mulheres, quando presentes, costumavam ocupar papéis coadjuvantes, seja como musas ou como objeto da disputa entre os homens. A Rosa Mais Vermelha Desabrocha, inspirada na HQ de Liv Strömquist, rompe com essa lógica ao apresentar um humor ágil e inteligente, conduzido inteiramente por quatro atrizes — Bianca Lopresti, Carolina Splendore, Fernanda Viacava e Lenise Oliveira. Com precisão e um excelente timing cômico, elas dominam o jogo cênico, subvertendo expectativas e reafirmando a força do protagonismo feminino no riso. O espetáculo se baseia em um texto sueco,…
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Serra Pelada – A alquimia entre tempos e masculinidades no palco do Teatro de Arena
O espetáculo Serra Pelada, apresentado no histórico Teatro de Arena, constrói uma narrativa potente e multifacetada, entrelaçando tempos, personagens e conflitos que ressoam até hoje. Em cena, três momentos distintos se sobrepõem em um jogo dramatúrgico engenhoso, costurando a memória política do Brasil com reflexões sobre masculinidade, poder e ambição. A peça inicia com um recorte histórico que atravessa as décadas de 1960 e 1970, passando pela Guerrilha do Araguaia e avançando no tempo até o garimpo de Serra Pelada. Nesse eixo, acompanhamos a trajetória de Oswaldão, figura mítica que sonhava em transformar as riquezas da região em justiça social, e seu grande antagonista, o Major Curió, responsável por reprimir…
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Violência e História: A Força da Dramaturgia em A Banda Épica na Noite das Gerais
Violência e História: A Força da Dramaturgia em A Banda Épica na Noite das Gerais A Companhia do Latão mais uma vez nos presenteia com um espetáculo que alia pesquisa histórica, teatralidade e uma profunda análise política da realidade brasileira. Com A Banda Épica na NOITE DAS GERAIS, a companhia revisita a Ditadura Militar, construindo uma narrativa fragmentada, cheia de camadas, onde os personagens e a história recente do Brasil são os verdadeiros protagonistas. Foto de João Maria O elenco numeroso equilibra atores experientes e jovens, trazendo vitalidade à cena e reforçando a ideia de que a história se desenrola de maneira coletiva. O início da peça sugere uma trama…
- "Casa de Bonecas", "Nora e a porta", Ibsen, Marina Corazza, Maristela Chelala, Sandra Corveloni, SESC, SESC Pompeia
Resenha: “Nora e a Porta” – O Grito que Ainda Ecoa
Resenha: “Nora e a Porta” – O Grito que Ainda Ecoa por Márcio Boaro A força de Casa de Bonecas não vem apenas de sua estrutura dramatúrgica, mas da denúncia que carrega – e que, infelizmente, segue necessária. Em Nora e a Porta, a montagem que está no Sesc revisita a peça de Henrik Ibsen a partir de uma perspectiva contemporânea, ressaltando o incômodo que persiste: se a forma teatral evoluiu nos últimos 150 anos, a opressão patriarcal contra as mulheres continua como uma realidade estrutural. Neste tempo, o problema de origem permanece: o patriarcado é a base do capitalismo e da sociedade burguesa, ambos se beneficiam de estruturas…
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Ópera Febril: A História do Trabalho e Seus Ecos no Presente
Ópera Febril: A História do Trabalho e Seus Ecos no Presente Desde o título, Ópera Febril sugere um espetáculo de grande fôlego, onde “ópera” remete a “obra” e “fabril” nos conduz diretamente ao universo do trabalho. A peça, encenada pela Cia do Trailer – Teatro em Movimento, tem a direção de Marcelo Soler e André Ravasco, que também divide o palco com Andrei Gonçalves, Caren Ruaro, Laura Ramalho e Rafael Braga. A montagem nos transporta para dois momentos cruciais da exploração do trabalho no Brasil. Como é característico do teatro documentário, os atores, em um primeiro momento, apresentam seus relatos de forma distanciada, sem personalismo, antes de mergulhar em um…
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Magma Jagunço: A permanência da brutalidade como identidade
Magma Jagunço: A permanência da brutalidade como identidade Por Márcio Boaro. Conheço e admiro o trabalho do Tablado há muitos anos. Este coletivo realiza uma pesquisa profunda sobre a base do que deseja expressar em sua dramaturgia. Os atores são verdadeiros coautores das obras, compreendendo não apenas suas próprias personagens, mas toda a estrutura e intenção da peça que apresentam. No caso de Magma Jagunço, o diretor e dramaturgo Clayton Mariano, junto ao elenco, realizou um belíssimo trabalho. (foto de divulgação) O espetáculo é uma produção do Tablado (@tablado_sp), estreando no TUSP e dando continuidade à trajetória do grupo, que há anos desenvolve uma pesquisa estética e política profunda sobre…
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Fragmentos da Cidade: A Avenida Paulista em Cena
Fragmentos da Cidade: A Avenida Paulista em Cena por Márcio Boaro Nasci e fui criado em São Paulo. Minha vida sempre orbitou pela Avenida Paulista, esse centro nervoso da cidade, onde se cruzam o cotidiano apressado, o trabalho exaustivo, os resquícios culturais e as manifestações políticas. Foi por isso que fiquei especialmente curioso ao saber da montagem de Avenida Paulista, dirigida por Felipe Hirsch, com codireção de Juuar. A curiosidade se intensificou pelo fato de eu não ter assistido a Avenida Dropsie, mas ter ouvido muitos comentários positivos sobre a obra. O tempo passou, a curiosidade permaneceu, e assim que soube da nova montagem, fui ao teatro ainda no…
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Furacão: A Voz Ancestral que Enxerga Além da Tempestade
Furacão: A Voz Ancestral que Enxerga Além da Tempestade por Márcio Boaro A Cia Amok apresenta em Furacão um espetáculo de rara sensibilidade, no qual a força de uma mulher negra, Joséphine Linc Steelson, ressoa como um testemunho de um século de lutas e desilusões. Interpretada com beleza, leveza e potência por Sirlea e Thalyssiane Aleixo, Joséphine é uma personagem que não apenas atravessa o tempo, mas o compreende em sua profundidade, reconhecendo que as transformações sociais ocorrem, mas nem sempre com a velocidade ou a justiça esperadas. Baseado no texto do francês Laurent Gaudé, um autor de refinada sensibilidade, Furacão resgata a voz de quem esteve sempre à margem,…
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Resenha: “Último Ato de uma Mulher de Teatro”
Resenha: ” Último Ato de uma Mulher de Teatro ” Por Márcio Boaro A morte é um dos temas mais recorrentes da dramaturgia, mas raras vezes é tratada com tanta leveza, humor e agulho quanto em “Jandira – Em Busca do Bonde Perdido”. Última obra escrita por Jandira Martini, a montagem não se limita a um relato sobre a finitude, mas se expande para celebrar a vida, o teatro e o próprio ofício da atriz e dramaturga. Sob a direção de Marcos Caruso, parceiro artístico de Jandira por quatro décadas, e interpretada com exatidão por Isabel Teixeira, o espetáculo se constrói como um jogo de memórias e reflexões, onde a…