Teatro

O atual e necessário “São Paulo Surrealista”






por Márcio Boaro, para Os que lutam

Em tempos de autoritarismo recrudescente, quando a opressão se veste de normalidade e o pensamento crítico é silenciado, São Paulo Surrealista, da Cia. Teatro do Incêndio, surge não como mera evocação histórica, mas como ato urgente de desobediência estética.

Ao resgatar o DNA incendiário das vanguardas do início do século XX e as imagens libertárias da contracultura dos anos 60, o espetáculo performa um contra-ataque simbólico ao presente asfixiante.

Sua força maior reside justamente nesta operação arqueológica militante: exumar gestos, linguagens e corpos que um dia desafiaram o status quo para reinseri-los, como vírus de liberdade, no organismo social contemporâneo.

Não se trata de nostalgia, mas de reinoculação. Ao colidir passado e presente num caldeirão cênico provocador, a obra cumpre a função radical que a arte não pode abdicar: criar anticorpos contra a resignação e gerar, no corpo coletivo da plateia, ideias que libertem.

É teatro como trincheira sensível, lembrando-nos que resistir, ainda hoje, é também um ato de imaginação desmesurada.

Cena do espetáculo São Paulo Surrealista
Foto: Kym Kobayashi

O espetáculo marca uma nova fase do Teatro do Incêndio, que se reestrutura com vigor e firmeza, agora com produção da incansável Vanda Dantas — a quem nada escapa. Vanda é a força silenciosa que articula o invisível e sustenta o voo: a liberdade que ali pulsa não é aleatória, mas construída com precisão.

São 27 artistas em cena. Um elenco numeroso e visceral, com destaque para o trabalho intenso das atrizes mais jovens, que assumem personagens simbólicas, como ninfas, espectros e figuras arquetípicas. Há maturidade e risco em seus gestos, como se a juventude não fosse aqui promessa, mas urgência.

Oferecem ao público não apenas a beleza de seus corpos em movimento, mas a contundência de uma juventude que quer sonhar alto e criar mundos com o próprio gesto.

Os atores, em menor número, não contrapõem — compõem. Estão como parte de um campo de forças em transformação, onde o masculino se deixa afetar, rever e recriar ao lado do feminino em combustão. O espetáculo não impõe equilíbrio: provoca tensão criadora.

Cena coletiva do elenco no palco
Foto: Kym Kobayashi

E é nesse ponto que São Paulo Surrealista se afirma como um espetáculo de psicanálise dramatúrgica. Quando os jovens gritam em uníssono “morte ao diretor”, não se trata apenas de provocação anárquica. É a cena-síntese de uma travessia geracional, da recusa simbólica da tutela, do gesto arquetípico da sucessão.

Marcelo, ao aceitar essa morte em cena, revela seu movimento mais radical: permitir que o teatro sobreviva à sua própria autoridade.

Momento ritual no final do espetáculo
Foto: Kym Kobayashi

São Paulo Surrealista não quer agradar nem escandalizar. Quer abrir um canal de imaginação não condicionada. E em tempos de vigilância estética e padronização do sensível, isso é, por si, revolucionário.

Ao fim, quando tudo parece ruína, esses corpos jovens — mas já incendiados — nos lembram: enquanto houver poesia delirante e artistas em cena, São Paulo ainda respira.

Momento ritual final do espetáculo
Foto: Kym Kobayashi

Ficha Técnica

Espetáculo: São Paulo Surrealista – Corpo Antifascista

Com: Cia. Teatro do Incêndio

Roteiro e direção geral: Marcelo Marcus Fonseca

Elenco: Josemir Kowalick, André Pottes, Amy Campos, Marcelo Marcus Fonseca, Isabela Alonço, Livia Melo, Sabrina Sartori, Mariana Peixoto, João Paulo Villela, Anna Bia Viana, Bruno Macedo, Thauany Mascarenhas, Camilo Guadalupe, Sabrina Rodriguez, Bruno Vizzotto, Ana Ferrari, Stefanie Araruna, João Victor Silva, Giovanna Garcia, Enzo Ferraro, Fiore Scheide, Vyvy Vanazzi, Thamiris Rocha e Joviana Venture.

Direção Musical Original: Wanderley Martins

Música ao Vivo: Xantilee Jesus, Bruno Vizzotto, Ricardo Martins e Dedeco

Iluminação: Rodrigo Sawl

Cenografia: Marcelo Marcus Fonseca

Figurino: Sabrina Sartori

Fotos: Kym Kobayashi

Designer gráfico: Livia Melo

Assessoria de mídias sociais: Amy Campos

Assessoria de Imprensa: Eliane Verbena – Verbena Comunicação

Direção de produção: Vanda Dantas

Realização: Cia. Teatro do Incêndio

Serviço

Estreia: 31 de maio de 2025

Temporada: sábados e domingos às 20h – até 15 de junho

Ingressos: R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

Venda online: Sympla

Bilheteria: 1h antes das sessões – Aceita dinheiro, PIX e cartão

Gênero: Surrealismo – 70 min – Classificação: 18 anos

Local: Teatro do Incêndio – Rua Treze de Maio, 48 – Bela Vista/Bixiga, São Paulo/SP

Telefone: (11) 2609-3730

Na Rede: @teatrodoincendiooficial

Importante: É obrigatório ao público ir com figurino (criação livre)


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