
MARIO NEGREIRO: MACUNAÍMA DO CENTRO À PERIFERIA
Anderson Negreiro leva Macunaíma e o público para dar uma volta na periferia da Zona Norte de São Paulo.
por João Alves

Em Mario Negreiro: da modernidade à barroca, próximo a efeméride de 100 anos da publicação da obra clássica de Mario de Andrade, Anderson Negreiro que assina atuação, dramaturgia e direção da peça, faz uma importante revisitação à fábula de Macunaíma, um processo de re-antropofagia necessária para a nossa (re)existência em Pindorama.
O prólogo da peça assume a estética da conversa sobre as razões para fazer tal espetáculo, trazendo as contradições vividas por um artista que pesquisa e cria na Paulicéia Desvairada e desvairante. Mario nos é apresentado simbolicamente por um paletó branco com um livro no bolso e pelo próprio óculos do ator e diretor usado em cena para acessar as letras de Mário de Andrade nos livros. O paletó colocado em cabide faz uma instalação, que presentifica o escritor miscigenado como uma figura presente o tempo todo na cena como espectador da mesma.
Mas não é só a obra de Mario de Andrade que é revisitada na peça, a periferia dos anos 80 e 90 também é trazida em processo de rememoração. Aquele tempo bom construído em nossos afetos que não volta nunca mais: voltar da escola em bando, jogar ovo no telhado da vizinha, flertar com as crushes do bairro, brigar depois da escola, soltar pipa etc. Quem passou por esses processos de aprendizagem e vivência sente-se capturado pelo texto do espetáculo.
O termo “eu vou para a cidade”, usado para se referir ao ato de ir para o centro, é invertido na trama, na qual a personagem traça o caminho inverso, indo do centro para a periferia. O narrador da história atravessa o Rio Tietê em direção a Zona Norte numa saga marginal para entregar o livro Macunaíma para seu amigo Fubá, que muito se assemelha ao personagem mariodeandradiando e que precisa conhecer seu paralelo literário.
O texto de Anderson Negreiro usa a ficção para revelar a realidade, a mostrar o PiaiMã contemporâneo – que usa farda, revólver e cacetete e anda por aí ostentando giroflex – devora jovens macunaímas periféricos no caminho de volta da escola, durante a brincadeira de soltar pipa ou numa corrida descompromissada para entregar um livro. A metáfora da luta do menino preto em busca de ter o reconhecimento para habitar a casa modernista é traduzido numa briga de rua com um outro moleque que carrega no apelido a herança empresarial, fisiológica e político-ditatorial brasileira.
A videografia de Vic Von Poser constrói um permanente diálogo com a cena, deixando de ser um acessório tecnológico, para configurar-se como elemento narrativo. A projeção é como um segundo ator em cena que ajuda a ilustrar o imaginário da Paulicéia, assim como coloca o ator em e o público dentro dos mapas virtuais e possibilitando a interação em três dimensões com a cidade mapeada. Também é a projeção que presentifica outros personagens que inventivamente interagem com o ator em cena, trazendo assim o diálogo para dentro do monólogo.
Mario Negreiro não é uma adaptação muito menos uma reinterpretação ou releitura, mas um diálogo necessário com Mario. Anderson segue as trilhas de Denilson Baniwa, que nos chama a tensionar e ressignificar as relações do modernismo brasileiro com a cultura preta e indígena. Durante muitos anos Mario foi branqueado e a memória de seu corpo miscigenado foi esquecida e apagada. Anderson Negreiro empresta o seu corpo para reescrever uma trajetória de fabulação racializada entre Mario de Andrade e o tempo presente. Fazendo lembrar quais são os corpos macunaímicos massacrados por gigantes PiaiMãs todos os dias. Mario escreveu com todas as letras em sua obra: “Era preto retinto e filho do medo da noite”. Anderson com todas as letras nos pergunta em sua obra paralela: Quantos Fubás ainda deixaremos serem devorados pela gula de PiaiMã nos becos, vielas e ermos de nossas periferias? Quantos Macunaímas ainda deixaremos sem acesso a obra de Mario de Andrade por terem partido prematuramente como uma linha de pipa partida? Virar constelação no céu, tal qual o Herói da ficção, não é o que querem os nossos Macunaímas, nossa realidade é desejar ser estrelas aqui na terra, serem felizes e poderem andar tranquilamente pelos becos e vielas da Barroca onde nasceram.

FICHA TÉCNICA
Texto, Direção e Atuação : Anderson Negreiro
Vídeo-Cenários: Vic Von Poser
Provocação Cênica: Viviane Dias e Ismar Rachmann
Provocação dramatúrgica: Jé Oliveira
Atuação em vídeo: Sandra Corveloni e Ismar Smith
Voz off: Jé Oliveira
Trilha sonora: Gabriel Moreira
Criação de Luz: Renato Banti
Figurinos: Éder Lopes
Cenário: Éder Lopes e Anderson Negreiro
Consultoria de movimento: Débora Veneziani
Operação de som e vídeos projeções: Tomé Sousa
Coordenação de Produção: Anderson Negreiro e Mosaico Produções
Produção Executiva: Catarina Milani
Produção Administrativa: Cícero de Andrade
Assessoria de Imprensa: Rafael Ferro e Pedro Madeira.
Fotografia: Marcelle Cerutti e Giorgio D’ Onofrio
Arte Gráfica: Mau Machado
SERVIÇO
15 de maio a 01 de junho de 2025
Quinta a sábado, 20h30; domingos, 18h
TUSP – Rua Maria Antônia, 294
75 minutos
14 anos
98 lugares
gratuito

