O mais do que nessário Papa Highirte
Muitas vezes ao assistir a espetáculos relevantes para o momento digo que é um trabalho necessário. A montagem do Grupo
Tapa para “Papa Highirte” de Oduvaldo Vianna Filho vai muito além disto.
Devo começar pela importância de se trazer a público uma
obra ainda pouco conhecida de um grande autor nacional. Não se trata de qualquer
texto, trata-se de uma das melhores obras do dramaturgo. Vianinha é
reconhecido como um dos expoentes de uma grande geração. Um autor que só não foi maior porque foi podado duas vezes; primeiro
pela ditadura e depois pela doença, que o levou a morte prematura. Só
por este mérito esta montagem já mereceria destaque, trazer este texto para cena já é por si algo grande.
que alguma cena chega perto de nos envolver emocionalmente, existe um Flash Back
(recurso épico como excelência) que nos conduz para outro momento da história daqueles
personagens e assim nos faz refletir sobre suas motivações em outro contexto, ou seja
em um momento anterior. A emoção é cortada antes que aconteça uma identificação mais forte e o entendimento prevalece. O diretor da encenação (Eduardo Tolentino) sabe aproveitar cada um destes instantes e tira o melhor do que o texto propõe. São raríssimos
os encenadores que conhecem tanto de teatro como o fundador do Tapa e nesta montagem ele mostra
que está mais afiado do que nunca. A peça é levada em um teatro para cinquenta pessoas no galpão do Grupo Tapa em um teatro de arena, a cena acontece entre o público, são poucos os adereços
e recursos de luz, não existem cenários. O elenco é muito bom, afinado e seguem muito bem sob a
batuta de um grande diretor.
Pelo que já escrevi acima, dá para entender que se trata de um grande
texto, de um autor genial, que foi montado por um grande diretor com um excelente
elenco. Isto é tudo? Não. É preciso falar da atuação de Zécarlos Machado. Poucas
vezes vi uma atuação tão assombrosa, o ator sabe cada filigrana de cada fala e
dá a inflexão certa. A personagem viaja continuamente entre épocas e o ator nos conduz as vezes apenas mudando de expressão, isto acontece de um segundo para outro, ele transforma a cena sem
nunca perder a naturalidade. O público nunca se perde, sua interpretação dá
todos os subsídios de onde e em que momentos estamos, entende-se claramente o
que se passa e qual o sentido da cena. Pode parecer redundante falar Zécarlos é
um ator raríssimo, brilhante, senhor do seu ofício
como nenhum outro, mas é preciso que isto seja dito novamente depois de assistir a este trabalho. Logo de saída já vemos a amalgama perfeita do trabalho
do autor, com o do diretor e do ator. Na primeira cena, Papa (Zécarlos) come um
pedaço de pão e fala sobre o alimento. Parece simples, mas entendemos o que aquele
alimento representa naquele momento, naquele país, naquela situação. É uma cena
aparentemente simples, mas nas mãos destes três gigantes se torna um momento inesquecível.
Este é o primeiro momento, mas o espetáculo todo segue nesta toada, todas as cenas
nos mostram ao mesmo tempo as contradições dos personagens e momentos de raro
prazer estético.
partir de uma análise de conjuntura certeira. Vivíamos no país um momento um
regime de exceção que tendia a se tornar mais agudo, e esta triste realidade não
acontecia só aqui, era vista em vários países de todos os continentes. Vianinha
criou uma obra que discute os mecanismos que fazem com que estes regimes
perdurassem. Para isto ele criou países e imaginários na américa latina e o
nome do protagonista é baseado no ditador do Haiti do período Papa Doc. Passados
54 anos vivemos outro momento difícil, tanto que temos um governo que celebra
as barbáries da época que a peça foi escrita como se fossem grandes feitos. Isto
posto a montagem do grupo Tapa de Papa Highirte vai além de ser um grande trabalho
artístico, é um instrumento para que possamos refletir sobre o momento atual,
deve ser visto e revisto por todos estes motivos.
Rua Lopes Chaves, 86, Barra Funda. 6ª e sábado, 20 h.
Domingo, 18 h. R$ 40. Até 17/7.