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Revendo a Pane

Nestes tempos estranhos está cada vez
mais complexo produzir espetáculos, devem ser resultado de muito planejamento, pode-se
demorar anos para se realizar um projeto, é preciso ter muita persistência. No
caso do espetáculo “A Pane” eles já haviam passado pelo todo “calvário normal”,
mas próximos a estreia tiveram de paralisar tudo e aguardar mais quase dois anos,
a boa notícia é que o esforço compensou, tiveram um resultado mais do que
acertado.

O teatro é uma Arte de Ofício, e apesar de haver inúmeras teses de doutorado sobre a arte
de interpretar é em cena, no jogo entre atores de variadas gerações onde verdadeiramente
se aprende o ofício. Mesmo não participando da cena, aprende-se muito. É gratificante
ver atores maduros, seguros, de idades diferentes compartilhando seu ofício, jogando
em cena. Assisti a estreia há alguns meses, voltei e gostei mais
ainda. Todo elenco está seguro, com domínio do texto e da cena, tendo claro
tanto a intenção do autor, da diretora (Malú Bazán) que fica clara na unidade que existe em
cada cena, como a de cada ator. Todos sabendo contracenar na melhor acepção da
palavra, sem egoísmo. O texto propicia bons momentos para cada ator e a direção soube lidar com isto. Não
existe um protagonista claro, a urdidura do texto é baseada em tipos sociais e
cada um em seu momento mostra sua posição, sua função no enredo, assim é tecida
a trama. E cabe salientar a enorme diferença faz quando todos entendem todo o
texto, suas razões e os porquês de cada cena. Eu poderia fazer analogias com grandes
orquestras ou com grandes equipes esportivas, mas seria um equívoco, o teatro
tem seu código próprio e não precisa disto, é um jogo próprio e de rara beleza.

A Pane | Foto de Rogério Alves

A trama de Dürrenmatt é uma variante
da dramaturgia brechtiana, o autor soube observar os ganhos do épico e criou um
estilo próprio (assim como ocorre na obra de Peter Weiss), não seria demais dizer que ele
criou seu próprio caminho para busca de um teatro dialético. A partir de uma
fábula contemporânea o texto aborda como é constituído o sistema judiciário ou seja, como um reflexo da sociedade burguesa. Assim como em outros textos do autor
(outros dois ficaram em cartaz na cidade nos últimos anos), são apresentados ao
público dilemas atuais e a cena convida para a reflexão. Como
iriamos nos portar naquela situação? Não é um texto que leva a identificação
com a personagem, mas sim que nos leva a pensar sobre os códigos sociais e a
moral vigente, tanto que não existem personagens, são tipos sociais bem dimensionados, no caso tão interessantes como distantes dos personagens tridimensionais do drama. O processo de como ocorre as mudanças morais e
consequentemente da justiça fica claro a partir das imagens criadas a cada data
que é dita ao abrir uma nova garrafa de vinho. Os comentários das personagens mostram como as leis moldaram-se a partir das convenções que se estabeleceram entre o século XIX e XX, ou seja nos faz perceber o quanto toda esta
estrutura é frágil. Os personagens Juiz Wucht (Oswaldo Mendes), o
Promotor Zorn (Antonio Petrin), o Advogado de defesa (Roberto Ascar), o Carrasco
Pilet (Heitor Goldfluss) e mesmo o “barman” Justus (Marcelo Ullmann) sabem
conduzir o réu Traps (Cesar Baccan) em um delicioso jogo. Durante o transcorrer da peça não acontecem inversões de expectativa em momentos pré determinados com o intuído de fazer o publico
se admirar com a “inteligência do texto”, pelo contrário, se estabelece um jogo de contradições que mostra dialeticamente como a
moral burguesa é incongruente, e que portanto a justiça é uma questão relativa.
Apesar do verniz, vivemos próximos a barbarie.

Um belo espetáculo que deve ser visto
e revisto (como foi meu caso).

 Dias e horários: Sextas-feiras às 21h; sábados,
às 20h; domingos, às 18h. 

Classificação etária: 14 anos 

Duração: 70
minutos 

Ingressos: Sábados
e domingos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada)Sextas: R$ 60 (inteira) e R$
30 (meia-entrada) 

Televendas:
11 3662-7233 / 11 3662-7234 

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