Um presente que veio de Belém: O Solo Marajó
As dimensões do Brasil foram estabelecidas (próximas das atuais) no Tratado de Madrid de 1750, oficialmente passamos a ter uma extensão continental. Era necessário algo que unisse o território além da força, em 1758 o ensino e o uso do tupi foram abolidos por lei e se instituiu o português como única língua do Brasil. Depois disto vários governos tomaram medidas para que a identidade nacional fosse parida mesmo que fosse a fórceps, isto era necessário para facilitar a administração e consequentemente o lucro. Tudo foi imposto, o que talvez fossem vários países, se manteve unido a força em um só. São questões que não podem ser esquecidas foi caminho cruel e castrador, mas de forma contraditória ao assistir a um belíssimo e delicado espetáculo vindo de Belém do Pará me senti mais brasileiro do que nunca.
Ontem (10/02) fui assistir ao Solo de Marajó espetáculo da Companhia Usina Contemporânea monólogo com o ator Claudio Barros e direção de Alberto Silva Neto, dramaturgia dos dois. É um espetáculo solo como o próprio nome diz, mas me parece injusto chamá-lo de monólogo, o prefixo mono nos traz palavras que não tem relação com o que se vê em cena tudo ali é múltiplo, são muitas vozes, muitos corpos, muitas imagens que a interpretação brilhante de Claudio nos traz.
Não é exagero nenhum dizer que o fenômeno teatral ocorre de forma plena, o ator através do seu corpo (um único figurino, nenhum cenário) se metamorfoseia inúmeras vezes, nos trazendo a cada mudança personagens completos, que ao surgir já mostram seu motivo de estarem presentes em cena. Em uma hora, são apresentadas oito histórias interligadas a vinte três personagens. O ator e o diretor lapidaram cada um destes momentos para que ele tivesse o tempo e a inflexão certa.
Talvez eu esteja trazendo a impressão de ser um trabalho cifrado que só traz prazer estético apenas para os iniciados nas artes cênicas, não é o caso, é um espetáculo de grande amplitude, eu mesmo nunca fui a Belém, não conheço a Amazonia, mas me senti próximo, vi um teatro irmão que me interessa muito, com conteúdo que traz diversas camadas de reflexão. Quando digo teatro irmão, não exagero, no final abracei o ator e o diretor com um sentimento de fraternidade e de gratidão sincero, me sentia próximo, os termos locais não me distanciaram, pelo contrário me trouxeram interesse.
O tempo todo o espetáculo mostra que aquilo é teatro, a luz (belíssima) idealizada pelo Alberto Silva Neto funciona como moldura das cenas e para transições e alguns detalhes das histórias. Mas toda a construção de imagens e personagens está nas inflexões de voz, trabalho corporal e intenções do ator. Mais uma vez um trabalho nos mostra que o teatro é eterno, por mais que a tecnologia avance nada pode substituir a proximidade do público com o ator, o respirar o mesmo ar, o sentir, tudo isto é insuperável.
Se a língua nos foi imposta, ela com um tempo se transformou em um rio por onde navegamos e encontramos pessoas que nos sentimos próximas. Existe um país, existe uma nação onde me sinto em casa em qualquer cidade deste país, mas isto não foi imposição, isto é, por conta da cultura. Quero agradecer a Claudio e Alberto que me fizeram refletir sobre isto e feliz por fazer parte desta cultura.
As manifestações culturais que nos tocam, fazem com que vejamos que existe sim uma nação, mas existe através delas.
Ficha Técnica
Obra original: Romance Marajó, de Dalcídio Jurandir (1947).
Dramaturgia, iluminação, encenação e direção: Alberto Silva Neto.
Dramaturgia, figurino e atuação: Claudio Barros.
Fotos de divulgação: JM Conduru Neto.
Operação de Luz: Letícia Trovijo.
Coordenação de Produção: Vanda Dantas – Colmeia Produções.
Assessoria de Imprensa: Nossa Senhora da Pauta.